sexta-feira, 18 de maio de 2012


                                                                              Thayná Faria, Bruno Ribeiro e Gabriel Riceputi
Tatuagens, piercings, alargadores e escarificações são práticas de modificações corporais conhecidas também como body art. Cada vez mais comuns, principalmente entre o público jovem, estas alterações no corpo são justificadas pelos que a praticam como uma forma de expressão artística. Para especialistas, como psicólogos, a body art relaciona-se mais com a busca pela afirmação da identidade e, principalmente, pela inserção em grupos sociais. São entendidos como códigos de pertencimento a determinados grupos ou tribos urbanas.
A modificação corporal (body modification, em inglês) é, para os seus praticamente e admiradores, vista como uma expressão artística, por isso a denominam Body art. Francine Oliveira (23) é perfuradora corporal (ou body piercer) e possui vários tipos de modificação como tatuagens, piercings, alargadores e escarificações. Ela conta que body art é todo tipo de expressão artística feita no corpo ou com ele, como maquiagem artística, performances de qualquer tipo (que podem envolver agulhas e suspensão corporal), e pintura corporal.

A escarificação também pode ser bela 
A modificação corporal em si pode designar outro estágio dentro das práticas que envolvem a transformação do corpo: “Modificação corporal, body modification ou body mod envolve uma alteração do corpo mesmo, a ‘longo’ prazo, mas não necessariamente permanente”, diz Francine. O tatuador e body piercer Cleiton Soares, o “Juh” (28), que está no ramo há sete anos, tem visão similar a dela. Segundo ele, a body art engloba todos os tipos de modificação corporal, mas o termo ‘modificação corporal’ refere-se principalmente a “procedimentos que fogem um pouco dos padrões e que geralmente são irreversíveis”.
O ato de transformar ou modificar o corpo geralmente é visto como uma busca por identidade pessoal exclusiva ou forma de sentir-se parte de algum grupo específico. Para Francine, a estética também é um fator considerável. Segundo ela, em relação à body art, 99% dos interessados que a procuram fazem as intervenções por questões estéticas. A popularização das cirurgias plásticas, um avanço auxiliado pela tecnologia e medicina moderna, também comprova essa onda de busca pela perfeição estética, ou padronização, que levam a modificação do próprio ser. O body art ou modificação corporal apenas pode seguir por outra vertente, a de fugir dos padrões de beleza impostos pela sociedade, não deixando, entretanto, de ser bela.


Psicanalista aponta caráter masoquista das práticas de body art
No âmbito da psicologia, a prática da modificação corporal está intimamente ligada a questões de relações sociais. “A noção de beleza está muito associada à noção do fetiche”, diz Hugo Silva Valente, psicólogo com formação na área da psicanálise. Segundo Hugo, toda modificação é uma tentativa de formar um símbolo representante, seja de status, beleza ou verdade. Tal como um rito de passagem, a prática da modificação estética seria uma forma de estabelecer laços sociais e se integrar a um grupo.
Outro fator seria infringir dor ao corpo como forma de obter satisfação. “A psicologia, após 1905 com os trabalhos de Freud, reconhece vários modelos de satisfação que vão contrários à idéia de prazer consciente”, diz Hugo, que esclarece que os dois fatores, fetiche cultural e masoquismo, devem ser vistos como motivações isoladas. “O sujeito pode formar seu símbolo sem necessariamente sentir dor. Um brinco ou um piercing cumprirá a função reservada ao fetiche, mas dificilmente iria satisfazer o sujeito em busca da satisfação pela dor”, explica.
O psicanalista ainda pontua um item importante sobre o masoquismo nessas práticas. “É necessário diferenciar o masoquismo ligado às modificações da prática do body-art, onde a dor cumpre função juntamente com fatores como a integração social, da prática de automutilação, como em casos onde crianças ou adolescentes que, sofrendo de angústia profunda, buscam na dor do corpo um alívio do sofrimento da alma”, esclarece.
Mas o corpo não é o primeiro a passar pelas modificações em função do estabelecimento de laços sociais. Como Hugo destaca, o psiquismo é o primeiro a se adaptar aos símbolos do grupo, modificando o modo de pensar e de se comportar do sujeito. Um indivíduo inserido em uma sociedade estará dependente dos fatores que aquele grupo estabelecer, seja a utilização de gírias ou seguir a moda de vestimenta do momento. “É o que a psicologia chama de processo de identificação”, diz Hugo. “Essa prática fetichista nada mais é do que uma negação do homem à sua própria natureza, sua natureza biológica, em função do símbolo, da adaptação social”, completa.
Toda modificação corporal teria um propósito rumo a uma idealização de imagem, que vai enquadrar o indivíduo dentro da sociedade. No caso das modificações corporais, esse status não estaria ligado à coletividade em geral, mas a subgrupos específicos dentro dela. A moda, por sua vez, quando produz ideais de beleza, também produz a necessidade de modificações corporais, essas as quais já estamos acostumados, como a idéia de ser magra para ser bonita e afins, que influenciam a coletividade. “A exclusão de determinado movimento, ou comportamento, é impulsionada por um movimento correlato, ou seja, para negar um fetiche é necessário que outro fetiche anterior esteja bem fundamentado”, diz Hugo, ilustrando o porquê de práticas de body art serem marginalizadas enquanto outras intervenções estéticas são legitimadas. Tudo faria parte de uma relação de poder entre um fetiche, um modo de pensar, sobre o outro. “Se o fetiche é montado em cima de um objeto aleatório, querer julgar essas formas ‘alternativas’ é absurdo, é querer matar a identidade do outro. Temos medo do diferente, justamente pelo diferente ofender nossos próprios fetiches”, afirma o profissional.


Cuidados
O cirurgião plástico César Tayer diz que o procedimento padrão para quem quer fazer algum tipo de modificação corporal é ficar atento na hora de escolher o estúdio. Esse tipo de cuidado evita complicações posteriores, como o surgimento de quelóides, formação de cicatrizes indesejadas e até contração de doenças mais graves como HIV e Hepatite.

Evite problemas, procure um profissional para fazer sua modificação
Ele afirma que principalmente perfurações intra-orais proporcionam um sério risco de complicações graves como excesso de salivação, alterações na fala e até infecções que, nessa parte do corpo, podem chegar à corrente sanguínea, se espalhar e até levar a morte. O cirurgião considera que cabe ao profissional tomar os cuidados específicos referentes à assepsia do material utilizado, mas que depende do cliente a manutenção e limpeza das jóias, pois a atenção deve ser constante.
Uma realidade perigosa comentada é que muitas pessoas colocam piercings por conta própria, o que eleva consideravelmente o risco de infecção. Esse fenômeno acontece principalmente em modificações mais comuns, que aparentemente não demandam tantos cuidados. Os alargadores de orelha são apontados como uma dessas práticas. Em vez de procurar um profissional, o individuo coloca nas orelhas objetos que podem estar contaminados, sem tomar as precauções adequadas.
Nesse caso também é necessário que o lóbulo não seja alargado de uma só vez e que as expansões não sejam grandes demais, pois há o risco de se rasgar a orelha, ou provocar uma vaso-contrição: isso interrompe a circulação de sangue em uma parte do tecido, levando a esquemia e até a necrose da região. A pessoa pode, inclusive, perder parte do lóbulo e destruir a cartilagem auricular.
O cirurgião alerta que o profissional desta área deve ser capacitado, descartar agulhas e esterilizar os materiais em uma autoclave, máquina própria para realizar a assepsia dos objetos de forma rápida e eficaz. Esse processo é o único permitido por lei, segundo Tayer. Nele esterilizam-se os instrumentos em vapor de alta temperatura e pressão. Ainda de acordo com o cirurgião, “uma modificação corporal envolve os mesmos riscos de qualquer intervenção cirúrgica e, portanto, exige os mesmos cuidados que demanda um procedimento dessa espécie”. Tayer afirma que muitos tatuadores e body piercers sequer conhecem as leis que determinam os cuidados com a esterilização do material.
A body piercer Francine conta que o problema em alguns locais não é totalmente relacionado à esterilização dos objetos, mas sim a falta de cuidado por parte de alguns profissionais, que não têm cuidados de higienização. A falha mais comum é a retirada das luvas antes de terminar totalmente o procedimento, quando, por exemplo, o cliente já se foi, mas ainda restam agulhas para serem jogadas fora. Essa falta de atenção coloca em risco a saúde do próprio profissional, que entra em contato direto com material cortante utilizado no processo. A forma de descartar o que já foi utilizado é a mesma do lixo hospitalar.


Arrependimento
É comum que alguns adeptos da body modification se arrependam de artes em suas peles e desejem retirá-las. Voltar atrás pode ser mais fácil no que diz respeito a perfurações. Segundo Juh, depende do tamanho da jóia, o seu peso e do tempo em que ela se encontra na pele.

Reconstituição do lóbulo
Para Tayer, a pele consegue voltar um pouco ao normal, devido à sua elasticidade natural. Contudo, casos em que o furo é muito grande, situação dos alargadores, por exemplo, apenas a cirurgia plástica consegue retornar a pele ao seu estado anterior.
Com as tatuagens, se arrepender é mais doloroso. Dói bastante para remover, além de ser caro. É o que afirmam em consenso César Tayer e Juh. O cirurgião explica que a remoção de tatuagens é um trabalho para os dermatólogos, mas informa que a remoção a laser funciona razoavelmente bem somente em alguns tipos de tatuagem. As muito coloridas, por exemplo, são mais difíceis de apagar, sendo que o raio laser não consegue remover totalmente tons em vermelho e laranja, diz Juh. Além disso, corre-se o risco de permanecerem marcas na pele. Cada sessão a laser pode custar entre 500 e 800 reais, sendo que algumas tatuagens necessitam de até 10 sessões. A conta total poderia, então, chegar a oito mil reais.


Rituais que marcaram o processo civilizatório do homem
A prática da modificação corporal está longe de ser um fenômeno atual na sociedade. Presente há muito tempo em ritos de passagem de tribos africanas, brasileiras, indianas, e, identificadas também nas culturas egípcias e judaicas, o ato de transformar o próprio corpo pode ser motivado por causas meramente estéticas ou como parte de cerimoniais dentro de determinada cultura.
A modificação corporal que, geralmente, é vista com espanto por parte da sociedade, como, por exemplo, ao contemplarem uma “escarificação”, não e uma prática nova na sociedade. Mulheres e homens de algumas tribos africanas cortam a pele com o intuito de ostentar belas cicatrizes, celebrar o fim de uma determinada etapa da vida e o início de outra ou simplesmente evidenciar pertencimento e até graduação social dentro do grupo.
Absorvida pela cultura ocidental, tem diversas faces e não apenas estas que são vistas como mais radicais. A circuncisão utilizada pelos judeus e implantes de silicone na mama também podem ser tomados como exemplos mais comuns. A tatuagem talvez entre nesse grupo de modificações mais bem vistas pela sociedade, pois tem tornado-se cada vez mais popular.


Alguns tipos de modificação corporal e body art
Escarificação: é um processo permanente, concebido para decorar o corpo, e é considerada valiosa artisticamente por algumas tribos na África Ocidental. É a prática da incisão na pele com um instrumento afiado. Existem diferentes tipos de escarificação, sendo diferenciadas pelo material utilizado e técnicas. Quanto a este material, geralmente é composto por lâminas para cortar ou remover tecidos.

Branding: queimaduras feitas por aço ou laser, cauterização por ferramentas como ferro de solda etc.

Microdermal: o microdermal é uma micro placa que fica sob a pele com uma saída única, em que podem ser rosqueadas peças, que, por sua vez, podem variar desde implantes simples a brilhantes, dando o efeito visual de jóias.

Subdermal: tipo o chifre implantado. PTFE tipo teflon – único debaixo da pele.

Transdermal: surgiu antes do microdermal, possui uma saída feita com incisão cirúrgica além do furo.
Suspensão corporal: é o ato de suspender um corpo humano por meio de ganchos passados por perfurações na pele. Estas perfurações são temporárias e normalmente abertas pouco antes da suspensão ocorrer. Os ganchos de suspensão são feitos especialmente para a prática, e o material utilizado na confecção do mesmo é o aço cirúrgico. São colocados como piercings tradicionais, com agulhas e depois conectados aos ganchos. A localização exata desses ganchos no corpo determina o tipo de suspensão que está sendo executada, e o número de itens instalados geralmente depende do peso da pessoa e seu nível de experiência.

Pulling: feito da mesma forma que a suspensão corporal. Entretanto, não se suspende o corpo, apenas se tenciona a área na qual o gancho se encontra. Pode ser encarada como uma preparação para a suspensão. Os ganchos são menores e encaixados em partes como os antebraços e joelhos.


Juh fazendo uma tatuagem (esquerda) e escarificação da Francine (direita)

Tatuagem: trata-se de um desenho permanente feito na pele. É tecnicamente uma aplicação subcutânea de tinta obtida através de introdução de pigmentos por agulhas, um procedimento que durante muitos séculos foi irreversível. É uma das formas de modificação corporal mais conhecida e cultuada no mundo.

Piercing: perfuração da pele para aplicação de uma jóia.

Alargadores: são peças que mantêm o tecido expandido. A idéia é expandir qualquer tecido para colocação de uma peça maior.

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