Thayná Faria, Bruno
Ribeiro e Gabriel Riceputi
Tatuagens,
piercings, alargadores e escarificações são práticas de modificações corporais
conhecidas também como body art. Cada vez mais comuns, principalmente entre o
público jovem, estas alterações no corpo são justificadas pelos que a praticam
como uma forma de expressão artística. Para especialistas, como psicólogos, a
body art relaciona-se mais com a busca pela afirmação da identidade e,
principalmente, pela inserção em grupos sociais. São entendidos como códigos de
pertencimento a determinados grupos ou tribos urbanas.
A
modificação corporal (body modification, em inglês) é, para os seus
praticamente e admiradores, vista como uma expressão artística, por isso a
denominam Body art. Francine Oliveira (23) é perfuradora corporal (ou body
piercer) e possui vários tipos de modificação como tatuagens, piercings,
alargadores e escarificações. Ela conta que body art é todo tipo de expressão
artística feita no corpo ou com ele, como maquiagem artística, performances de
qualquer tipo (que podem envolver agulhas e suspensão corporal), e pintura
corporal.
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A escarificação também pode ser bela
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A
modificação corporal em si pode designar outro estágio dentro das práticas que
envolvem a transformação do corpo: “Modificação corporal, body modification ou
body mod envolve uma alteração do corpo mesmo, a ‘longo’ prazo, mas não
necessariamente permanente”, diz Francine. O tatuador e body piercer Cleiton
Soares, o “Juh” (28), que está no ramo há sete anos, tem visão similar a dela.
Segundo ele, a body art engloba todos os tipos de modificação corporal, mas o
termo ‘modificação corporal’ refere-se principalmente a “procedimentos que
fogem um pouco dos padrões e que geralmente são irreversíveis”.
O ato de
transformar ou modificar o corpo geralmente é visto como uma busca por
identidade pessoal exclusiva ou forma de sentir-se parte de algum grupo
específico. Para Francine, a estética também é um fator considerável. Segundo
ela, em relação à body art, 99% dos interessados que a procuram fazem as
intervenções por questões estéticas. A popularização das cirurgias plásticas,
um avanço auxiliado pela tecnologia e medicina moderna, também comprova essa
onda de busca pela perfeição estética, ou padronização, que levam a modificação
do próprio ser. O body art ou modificação corporal apenas pode seguir por outra
vertente, a de fugir dos padrões de beleza impostos pela sociedade, não
deixando, entretanto, de ser bela.
Psicanalista
aponta caráter masoquista das práticas de body art
No âmbito
da psicologia, a prática da modificação corporal está intimamente ligada a
questões de relações sociais. “A noção de beleza está muito associada à noção
do fetiche”, diz Hugo Silva Valente, psicólogo com formação na área da
psicanálise. Segundo Hugo, toda modificação é uma tentativa de formar um
símbolo representante, seja de status, beleza ou verdade. Tal como um rito de
passagem, a prática da modificação estética seria uma forma de estabelecer
laços sociais e se integrar a um grupo.
Outro
fator seria infringir dor ao corpo como forma de obter satisfação. “A
psicologia, após 1905 com os trabalhos de Freud, reconhece vários modelos de
satisfação que vão contrários à idéia de prazer consciente”, diz Hugo, que
esclarece que os dois fatores, fetiche cultural e masoquismo, devem ser vistos
como motivações isoladas. “O sujeito pode formar seu símbolo sem
necessariamente sentir dor. Um brinco ou um piercing cumprirá a função
reservada ao fetiche, mas dificilmente iria satisfazer o sujeito em busca da
satisfação pela dor”, explica.
O
psicanalista ainda pontua um item importante sobre o masoquismo nessas
práticas. “É necessário diferenciar o masoquismo ligado às modificações da
prática do body-art, onde a dor cumpre função juntamente com fatores como a
integração social, da prática de automutilação, como em casos onde crianças ou
adolescentes que, sofrendo de angústia profunda, buscam na dor do corpo um
alívio do sofrimento da alma”, esclarece.
Mas o
corpo não é o primeiro a passar pelas modificações em função do estabelecimento
de laços sociais. Como Hugo destaca, o psiquismo é o primeiro a se adaptar aos
símbolos do grupo, modificando o modo de pensar e de se comportar do sujeito.
Um indivíduo inserido em uma sociedade estará dependente dos fatores que aquele
grupo estabelecer, seja a utilização de gírias ou seguir a moda de vestimenta
do momento. “É o que a psicologia chama de processo de identificação”, diz
Hugo. “Essa prática fetichista nada mais é do que uma negação do homem à sua
própria natureza, sua natureza biológica, em função do símbolo, da adaptação
social”, completa.
Toda
modificação corporal teria um propósito rumo a uma idealização de imagem, que
vai enquadrar o indivíduo dentro da sociedade. No caso das modificações
corporais, esse status não estaria ligado à coletividade em geral, mas a
subgrupos específicos dentro dela. A moda, por sua vez, quando produz ideais de
beleza, também produz a necessidade de modificações corporais, essas as quais
já estamos acostumados, como a idéia de ser magra para ser bonita e afins, que
influenciam a coletividade. “A exclusão de determinado movimento, ou
comportamento, é impulsionada por um movimento correlato, ou seja, para negar
um fetiche é necessário que outro fetiche anterior esteja bem fundamentado”,
diz Hugo, ilustrando o porquê de práticas de body art serem marginalizadas
enquanto outras intervenções estéticas são legitimadas. Tudo faria parte de uma
relação de poder entre um fetiche, um modo de pensar, sobre o outro. “Se o
fetiche é montado em cima de um objeto aleatório, querer julgar essas formas
‘alternativas’ é absurdo, é querer matar a identidade do outro. Temos medo do diferente,
justamente pelo diferente ofender nossos próprios fetiches”, afirma o
profissional.
Cuidados
O
cirurgião plástico César Tayer diz que o procedimento padrão para quem quer
fazer algum tipo de modificação corporal é ficar atento na hora de escolher o
estúdio. Esse tipo de cuidado evita complicações posteriores, como o surgimento
de quelóides, formação de cicatrizes indesejadas e até contração de doenças
mais graves como HIV e Hepatite.
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Evite problemas, procure um profissional para
fazer sua modificação
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Ele afirma
que principalmente perfurações intra-orais proporcionam um sério risco de
complicações graves como excesso de salivação, alterações na fala e até
infecções que, nessa parte do corpo, podem chegar à corrente sanguínea, se
espalhar e até levar a morte. O cirurgião considera que cabe ao profissional
tomar os cuidados específicos referentes à assepsia do material utilizado, mas
que depende do cliente a manutenção e limpeza das jóias, pois a atenção deve
ser constante.
Uma
realidade perigosa comentada é que muitas pessoas colocam piercings por conta
própria, o que eleva consideravelmente o risco de infecção. Esse fenômeno
acontece principalmente em modificações mais comuns, que aparentemente não
demandam tantos cuidados. Os alargadores de orelha são apontados como uma
dessas práticas. Em vez de procurar um profissional, o individuo coloca nas
orelhas objetos que podem estar contaminados, sem tomar as precauções
adequadas.
Nesse caso
também é necessário que o lóbulo não seja alargado de uma só vez e que as
expansões não sejam grandes demais, pois há o risco de se rasgar a orelha, ou
provocar uma vaso-contrição: isso interrompe a circulação de sangue em uma
parte do tecido, levando a esquemia e até a necrose da região. A pessoa pode,
inclusive, perder parte do lóbulo e destruir a cartilagem auricular.
O
cirurgião alerta que o profissional desta área deve ser capacitado, descartar
agulhas e esterilizar os materiais em uma autoclave, máquina própria para
realizar a assepsia dos objetos de forma rápida e eficaz. Esse processo é o
único permitido por lei, segundo Tayer. Nele esterilizam-se os instrumentos em
vapor de alta temperatura e pressão. Ainda de acordo com o cirurgião, “uma
modificação corporal envolve os mesmos riscos de qualquer intervenção cirúrgica
e, portanto, exige os mesmos cuidados que demanda um procedimento dessa
espécie”. Tayer afirma que muitos tatuadores e body piercers sequer conhecem as
leis que determinam os cuidados com a esterilização do material.
A body
piercer Francine conta que o problema em alguns locais não é totalmente
relacionado à esterilização dos objetos, mas sim a falta de cuidado por parte
de alguns profissionais, que não têm cuidados de higienização. A falha mais
comum é a retirada das luvas antes de terminar totalmente o procedimento,
quando, por exemplo, o cliente já se foi, mas ainda restam agulhas para serem
jogadas fora. Essa falta de atenção coloca em risco a saúde do próprio
profissional, que entra em contato direto com material cortante utilizado no
processo. A forma de descartar o que já foi utilizado é a mesma do lixo
hospitalar.
Arrependimento
É comum
que alguns adeptos da body modification se arrependam de artes em suas peles e
desejem retirá-las. Voltar atrás pode ser mais fácil no que diz respeito a
perfurações. Segundo Juh, depende do tamanho da jóia, o seu peso e do tempo em
que ela se encontra na pele.
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Reconstituição do lóbulo
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Para
Tayer, a pele consegue voltar um pouco ao normal, devido à sua elasticidade
natural. Contudo, casos em que o furo é muito grande, situação dos alargadores,
por exemplo, apenas a cirurgia plástica consegue retornar a pele ao seu estado
anterior.
Com as
tatuagens, se arrepender é mais doloroso. Dói bastante para remover, além de
ser caro. É o que afirmam em consenso César Tayer e Juh. O cirurgião explica
que a remoção de tatuagens é um trabalho para os dermatólogos, mas informa que
a remoção a laser funciona razoavelmente bem somente em alguns tipos de
tatuagem. As muito coloridas, por exemplo, são mais difíceis de apagar, sendo
que o raio laser não consegue remover totalmente tons em vermelho e laranja,
diz Juh. Além disso, corre-se o risco de permanecerem marcas na pele. Cada
sessão a laser pode custar entre 500 e 800 reais, sendo que algumas tatuagens
necessitam de até 10 sessões. A conta total poderia, então, chegar a oito mil
reais.
Rituais
que marcaram o processo civilizatório do homem
A prática
da modificação corporal está longe de ser um fenômeno atual na sociedade.
Presente há muito tempo em ritos de passagem de tribos africanas, brasileiras,
indianas, e, identificadas também nas culturas egípcias e judaicas, o ato de
transformar o próprio corpo pode ser motivado por causas meramente estéticas ou
como parte de cerimoniais dentro de determinada cultura.
A
modificação corporal que, geralmente, é vista com espanto por parte da
sociedade, como, por exemplo, ao contemplarem uma “escarificação”, não e uma
prática nova na sociedade. Mulheres e homens de algumas tribos africanas cortam
a pele com o intuito de ostentar belas cicatrizes, celebrar o fim de uma
determinada etapa da vida e o início de outra ou simplesmente evidenciar
pertencimento e até graduação social dentro do grupo.
Absorvida
pela cultura ocidental, tem diversas faces e não apenas estas que são vistas
como mais radicais. A circuncisão utilizada pelos judeus e implantes de
silicone na mama também podem ser tomados como exemplos mais comuns. A tatuagem
talvez entre nesse grupo de modificações mais bem vistas pela sociedade, pois
tem tornado-se cada vez mais popular.
Alguns tipos de modificação corporal e body art
Escarificação:
é um processo permanente, concebido para decorar o corpo, e é considerada
valiosa artisticamente por algumas tribos na África Ocidental. É a prática da
incisão na pele com um instrumento afiado. Existem diferentes tipos de
escarificação, sendo diferenciadas pelo material utilizado e técnicas. Quanto a
este material, geralmente é composto por lâminas para cortar ou remover
tecidos.
Branding:
queimaduras feitas por aço ou laser, cauterização por ferramentas como ferro de
solda etc.
Microdermal:
o microdermal é uma micro placa que fica sob a pele com uma saída única, em que
podem ser rosqueadas peças, que, por sua vez, podem variar desde implantes
simples a brilhantes, dando o efeito visual de jóias.
Subdermal:
tipo o chifre implantado. PTFE tipo teflon – único debaixo da pele.
Transdermal:
surgiu antes do microdermal, possui uma saída feita com incisão cirúrgica além
do furo.
Suspensão
corporal: é o ato de suspender um corpo humano por meio de ganchos passados por
perfurações na pele. Estas perfurações são temporárias e normalmente abertas
pouco antes da suspensão ocorrer. Os ganchos de suspensão são feitos
especialmente para a prática, e o material utilizado na confecção do mesmo é o
aço cirúrgico. São colocados como piercings tradicionais, com agulhas e depois
conectados aos ganchos. A localização exata desses ganchos no corpo determina o
tipo de suspensão que está sendo executada, e o número de itens instalados
geralmente depende do peso da pessoa e seu nível de experiência.
Pulling:
feito da mesma forma que a suspensão corporal. Entretanto, não se suspende o
corpo, apenas se tenciona a área na qual o gancho se encontra. Pode ser
encarada como uma preparação para a suspensão. Os ganchos são menores e
encaixados em partes como os antebraços e joelhos.
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Juh fazendo uma tatuagem (esquerda) e
escarificação da Francine (direita)
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Tatuagem:
trata-se de um desenho permanente feito na pele. É tecnicamente uma aplicação
subcutânea de tinta obtida através de introdução de pigmentos por agulhas, um
procedimento que durante muitos séculos foi irreversível. É uma das formas de
modificação corporal mais conhecida e cultuada no mundo.
Piercing:
perfuração da pele para aplicação de uma jóia.
Alargadores:
são peças que mantêm o tecido expandido. A idéia é expandir qualquer tecido
para colocação de uma peça maior.
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