quarta-feira, 8 de julho de 2009

Parece até que eles já sabiam…

(diário de uma peça do sistema)

O sistema, sabe-se lá porque, faz com que tudo se abra durante a manhã. Por isso, tive que entrar na moda e comprar um celular, mesmo que às vezes eu me pergunte se um despertador à corda não faria o mesmo. Também me pergunto pra que comprei um celular “tão da moda”, se não uso nem 5% dos recursos que algum engenheiro sem o que fazer inventou.

Já que existe, peguei o controle remoto e liguei a TV até tomar coragem de me levantar. Fui passando de canal em canal e, como não achei absolutamente nada interessante, fiquei na Globo (pra não fugir da moda). Eles falavam da gripe suína no “Bom dia Brasil” e eu na hora nem me toquei que eles exageraram bastante na cobertura, por puro marketing, e fiquei assistindo. É hora do intervalo. Aí me entra um comercial da “Seven Boys” com um pãozinho brilhante, suculento, cheiroso (na hora até inventei que TV tinha cheiro) e muito mais adjetivos saborosos.
Parece até que eles sabiam que eu estava com fome. Não resisti. Levantei-me, tomei um banho com aquele sabonete que anuncia na novela, enxuguei-me com a toalha da loja que anuncia na rádio e vesti a grife que anuncia no “Pânico na TV”. Ah, e só um detalhe, isso tudo com a TV ligada, para eu ouvir as mesmas notícias que tinha lido na noite anterior no G1.

Aí esperei o programa acabar (mesmo com fome), pois eles apresentaram no último bloco uma reportagem sobre o Pink Floyd e, mesmo sabendo que não iam falar nada a mais do que já sei sobre os caras, não podia abandonar a emoção de ver o Floyd na Globo!

Depois, saí de casa e fui à padaria em frente. É legal que nesses casos de padaria, açougue, farmácia e outras coisas, a gente até imagina que a mídia não tem poder, pois é tudo tão pertinho que não dá vontade de ir no que anuncia na revista mas está no outro bairro. Aí vem a Coca-Cola e leva meu leviano pensamento ao chão. Parecia que ela já sabia que eu estava contra a mídia e atacou meu ponto fraco: Mulheres. Entro na padaria do Sr. Miguel e me deparo com um banner da secretíssima multi-nacional. A garota do anúncio era tão linda, que, além de comprar o pão que vi na TV minutos antes, pedi que me vendesse também uma coca-cola de 600ml (mas que vem só com 500ml).

E lá vou eu... Quando pensei nessa expressão ao sair da padaria, comecei a cantarolar: Lá vou eu, lá vou eu, hoje a festa é na avenida... Bom, mas após o surto carnavalesco, entrei em casa e liguei o rádio. Era o programa Waldir Gomes. Ele tava lá, xingando tudo e todos envolvidos em uma confusão lá num bairro. E o bobo aqui ouvindo, como se tivesse alguma coisa a ver com a briga. Enquanto isso, tomei meu lanche: Seven Boys com coca-cola. Bem nutritivo...

Pego minha moto Yamaha, marca escolhida porque o Fausto me falou que era legal (ele é um líder de opinião, segundo os defensores da Teoria Empírica de Campo que estudei na facul), saio na rua e resolvo abastecer. Como sou apaixonado por carro e moto, escolhi o posto Ipiranga. Rodei mais alguns minutos e tive que parar. Uma galera, todos fantasiados de Chê Guevara, estava protestando contra a imitação que Lula faz das políticas econômicas dos Estados Unidos e contra a crise mundial. O que não entendi é, porque o Lula não pode imitar os americanos, mas eles podem imitar o argentino que revolucionou Cuba e morreu na Bolívia? E outra, parece que eles não sabem que lutando pelo emprego de uns, através de protestos que travam o trânsito, várias pessoas se atrasam e podem perder seus empregos também.

Finalmente consegui chegar na empresa. Com essa confusão toda, atrasei 20 minutos. O sistema é rígido. Atrasou? Sala do patrão. O sistema é rígido, mas o chefe entendeu e me disse que eu devia ficar até mais tarde para compensar. Que bom! Dessa vez me safei. Meu patrão foi bonzinho, parece até que ele sabia que ia precisar que eu segurasse a onda naquele dia.

O dia de trabalho foi apertado. O aparelho que o chefe comprou de um vendedor muito puxa-saco pifou de novo. Aí tive que fazer tudo manualmente. Resolvi mostrar ao diretor que era interessado na solução do problema e sugeri que comprassem de uma marca que eu já conhecia há anos. Ele faltou me demitir, pois achou que “a firma é deles, eles é que tem que pensar nisso” (mas na hora que o bicho pega, funcionário é que tem que se virar).

Final de expediente. Minha moto ficou na rua e, por isso, tava cheia de panfletos de propaganda que colocaram lá. Um deles é de uma campanha pela coleta seletiva de lixo. Esse eu fiz questão de jogar no chão. Os outros, eu fui um cara legal e coloquei no lixo, mesmo sem ler.

Chego em casa, abro a geladeira e pego ingredientes da Sadia pra fazer um sanduíche. Não, outra marca não! Se as outras marcas não têm dinheiro pra anunciar na mídia, teria pra fabricar algo de qualidade? A mídia me convence que não. Coloco tudo no forno de micro-ondas “Dako”, que comprei ao lembrar-me de uma “cantora” que elogiava a marca dizendo o quanto ela é boa... Ela sabia que cantar a música aumentaria as vendas do produto? Não, dessa vez ela só sabia o quanto transformar esse substantivo em verbo era prazeroso pra ela, só sabia disso... Feito meu lanche, vou assistir a “Malhação”, porque mesmo achando tudo isso muito chato, não posso ficar de fora das conversas da galera na aula.

18h45min. É hora de ir pra Universidade. Calço meu tênis olimpikus tube (não é o modelo que passa da TV, mas serve), pego meu caderno Tilibra e vou pra aula. Chegando lá, anúncios, anúncios, modas, pessoas igualmente diferentes, computadores da fábrica de um governador e na lanchonete, pra não perder o costume, Coca-cola. As aulas preparam os alunos para entrarem no “esquema do sistema”, afinal, será o sistema quem pagará seus salários.

Saio 10:30 e volto pra casa. No caminho observo um out-door da Ricardo Eletro me ordenando a desobedecer alguma coisa, só não captei o que. Por sorte de meus pais, já estou bem grandinho, pois, em caso contrário, acharia que era pra desobedecer a eles. Caminhando mais, passei em frente a um banco evangélico, ops, igreja evangélica. Tentei passar longe (pois essa igreja não é séria), porém tive a infelicidade de ouvir o pastor dizendo para os fiéis/clientes “doarem 800.000 reais para eles comprarem uma rádio que divulgue o nome do Senhor”. Parece que eles sabem como enganar um bobo. Pelo menos não me chamaram pra entrar...

Passei no Mac-Donalds e pedi o sanduíche exibido no banner, pois “a foto era deliciosa”. Logo em frente tinha uma lanchonete bem legal, com um sanduíche mais gostoso e barato, mas Mac-Donalds é Mac-Donalds...

Já em casa, entrei no Msn, no Orkut, no Twitter e no Gmail em meu notebook Toshiba. Liguei a TV também, primeiro no “Aprendiz”. Nessas horas que fico feliz em não ter muito dinheiro, porque se tivesse, compraria aquele Palm-centro que os aprendizes usam, afinal, são tão universitários quanto eu e possuem o aparelhinho. Ainda não entendi porque eu precisaria daquilo, mas tenho vontade de comprar. Parece que eles já sabiam que nós insatisfeitos com a TV aberta, assistimos a esse tipo de programa e, por isso, colocaram uma propaganda da SKY. Também passou uma propaganda da perdigão que, a partir de amanhã estará na minha geladeira, porque não vou comprar qualquer marca, é claro.

Saem os aprendizes da Record, passo para o “professor” Jô. A disciplina dele é “como entrevistar quem não tem nada a dizer?”. O problema é que ele acha que sempre deve usar suas “táticas de entrevista”, independente de quem seja o entrevistado, ou seja, nunca deixar nenhum convidado falar. Quem são os convidados? Um cantor do casting da Som-livre, um deputado do PSDB e um ator da novela das oito. Mas assisti, mesmo cansado, pois gente “chic”assiste o Jô e, quem não quer ser “chic”, que atire a primeira pedra.

Tá na hora de dormir, pois mesmo preferindo a madrugada, tenho que dormir na hora que o sistema determina. Paro em um momento de reflexão: Porque vou dormir agora? Porque caí em tantas tentações de marketing? Porque tenho que comprar tanta coisa inútil? Porque penso em tudo isso, ouço música independente, e, mesmo assim, vou fazer tudo igual no dia seguinte? Poxa, quem tem a resposta? Parece que o sistema sabe o que fazer pra que eu caia nessas tentações midiáticas! Parece não, tenho certeza! O sistema já sabe o que eu vou fazer, já sabe o que eu vou comprar, sabe até que eu estou pensando nisso. A vida é um “Matrix”. São 01:17. se eles estão acordados, estão rindo da nossa cara. Dá vontade de revoltar, mas quem sou eu perto do sistema. Ah, quer saber de uma coisa? Não posso mudar o mundo, mas pelo menos posso desligar a TV e dormir, afinal o sistema estará me aguardando pela manhã e eu sei que eles sabem disso... Boa noite.

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