sexta-feira, 18 de maio de 2012


Universidade Federal de São João del-Rei
Curso de Comunicação Social – 2º período 2009
Disciplina: Cultura Brasileira – Profª. Maristela Duarte
Atividade: Artigo Científico
Aluno: Bruno Ribeiro Caputo

Axé Music: O ritmo baiano como elemento de fuga da rotina diária de trabalho obrigações, castigos e infelicidades, no Brasil.

Assunto
A música do Carnaval da Bahia, como integrante do carnaval do Brasil.

Introdução
O carnaval é definido como ‘liberdade’ e como possibilidade de viver uma ausência fantasiosa e utópica de miséria, trabalho, obrigações, pecado e deveres (DaMatta, 1991,p.73). Entre os diversos estilos musicais presentes nessa festa popular, o Axé-Music se destaca por ser um importante movimento musical e cultural do país. Diante disso, é objetivo deste trabalho entender como o Axé passou a ocupar espaço no carnaval, a partir da década de 1990, além de estar atualmente em evidência na mídia. Essa informação ajuda a conhecer o interrelacionamento entre a cultura popular brasileira e a indústria cultural, que contribuiu para que o Axé-Music se tornasse importante para parte da população brasileira que participa desse movimento cultural. Além de investigar as características do Axé-Music e o contexto de sua popularização.

Carnaval, axé-music, cultura popular e música
Para Roberto DaMatta (1983;1991), o carnaval é o ritual nacional do povo. Diferentemente da semana santa, que é o ritual do clero, e da semana da pátria, que é a celebração do estado e do poder constituído, o carnaval é a festa do povo, marcada por alegria e espontaneidade dos participantes. O carnaval é o momento em que a população tem a sensação de que as hierarquias foram quebradas, o que proporciona uma inversão da normalidade marcada por compromissos, humilhações, trabalhos, problemas e tristezas. É o momento de encontro da população, que se torna homogeneamente diferente. Isso porque as pessoas vestem fantasias, o traje do carnaval, o que permite que cada pessoa seja, durante a festa, o que desejar. Reis, rainhas, empresários, políticos, etc... A fantasia permite a invenção e a troca de posições, a pessoa ser o que ela gostaria de ser na realidade.
Nessa festa as pessoas estão livres e iguais entre si, como gostariam de ser o ano todo, atingindo o limite máximo da informalidade. Elas brincam, se divertem, esquecem os problemas, se unem e sentem-se felizes. Portanto, o carnaval é a oportunidade de se fazer “tudo ao contrário: viver e ter uma experiência do mundo como excesso (...) de prazer, de riqueza” (DaMatta, 1991,p. 73).
O carnaval, tradicionalmente, é embalado pelo samba e pelas marchinhas. Ainda segundo DaMatta(1991,p. 69), “na construção da festa, a música que congrega e iguala no seu ritmo e na sua melodia é algo absolutamente fundamental no caso brasileiro”. “No carnaval nós cantamos e nos harmonizamos, movimentando nossos corpos em ritmos acasalados, em vez de reclamar, discursar ou escrever. Aqui, a mensagem deixa de ser importante e o que vale é também o canto pelo canto, a música pela música, a alegria pela alegria” (DaMatta, 1991,p. 76). Essa colocação sugere que as letras dos sambas e marchinhas que embalam os bailes carnavalescos não necessitam, e nem devem, levar nenhuma mensagem que não seja unicamente aquela que proporcione alegria ao folião, inclusive usando letras com apelo sexual e de duplo sentido. A música, pois, era um dos elementos de libertação da rotina durante o carnaval.
No entanto, ainda buscando a mesma alegria e liberdade no carnaval, a partir dos anos 1990, começou a ocorrer uma mudança de preferências musicais no carnaval. Nessa época, o Axé Music[1], que já era popular no Carnaval da Bahia, passou a também fazer parte da realidade de festas carnavalescas de outros estados brasileiros e, consequentemente, disputar espaço com o samba e as marchinhas. Com essa mudança na realidade do carnaval, o Axé Music também passou a se inserir como elemento de fuga da rotina diária no Brasil durante o carnaval. Além disso, o Axé faz parte do cotidiano musical do brasileiro até fora do período carnavalesco, tendo seus sucessos tocados em diversas emissoras de rádios[2]. Assim, um pouco da sensação libertadora do carnaval passou a ser sentida também em outras épocas.
Na obra “Notas sobre a indústria do entretenimento musical e identidade no Brasil” de Simone Pereira de Sá, são demonstradas algumas características dos grupos de Axé, que, segundo a autora, “combinam coreografias bem elaboradas, complicadas, mas com um toque distinto do samba tradicional das quadras de escola de samba, com letras singelas, com temática picante ou lúdica – explicitamente sexual ou de duplo sentido, apelando para trocadilhos; e influências rítmicas que vão do maxixe ao samba de roda”. Já Mônica Leme, no artigo “Segure o tchan!’: Identidade na Axé-music dos anos 80 e 90” (2001, p. 7), considera que o axé, “além de caracterizar-se por sua autonomia, está firmemente fundado sobre matrizes culturais históricas, frutos da afirmação de uma cultura afro-brasileira em que a hibridação e a construção de novos contextos foram os meios possíveis de sobrevivência de “territórios perdidos” (África e Europa, principalmente) e de “identidades” (bantos, portugueses, entre outras)”.
Leme, ao analisar os vários grupos de axé, principalmente o “É o Tchan”, em seu artigo, pôde verificar como a Indústria Cultural aproveitou as características do carnaval para vender ilusões e sonhos aos foliões. Tal constatação deve-se ao fato de que algumas das estratégias da Indústria Cultural são as padronizações dos produtos – outrora, obras de arte - produção em série, o que faz com que tudo apresentado ao público, mesmo que aparentemente diferente, seja, em essência, igual (Adorno; e Horkheimer, 1985 p.114), e que o Axé comercial sofreu alterações pois se “hibridiza com matrizes modernas do pop internacional, expresso no formato dos espetáculos (os shows, os clips, as  apresentações na TV) e do uso de citações musicais (do rock, do twist, da “música árabe”, da “música oriental”) e de instrumentos como o sintetizador e saxofones” (Leme, 2001, p. 7).
Manteve-se inalterado, porém, as “matrizes culturais do “realismo grotesco”, da “cultura do circo”, o mito da sensualidade da “mestiça nacional”, do gênero lundu na sua forma popular, revelada pela sua ligação com o samba-de-roda. Sua música, portanto, evoca e organiza a memória coletiva (matrizes culturais) e as experiências de lugar (territorialidade e lugar social). Estão ali representados a cidade de Salvador, a região do Recôncavo (identidades), o carnaval de rua (com suas transgressões, liberalidades e brincadeiras), a linguagem da classe popular (em choque com a língua culta e hegemônica)(Leme, 2001, p.5).” Comparando essas características com as de músicas que embalaram os carnavais por várias décadas antes da de 1990, somados aos elementos da música pop difundida pela indústria cultural, podemos começar a entender porque o Axé ganhou espaço no carnaval e também na mídia radiofônica e televisiva.
Diferentemente do carnaval tradicional, em que os participantes tinham liberdade para se fantasiarem e dançarem como desejassem, no “carnaval do axé”, houve uma “padronização das fantasias”, e das coreografias. O axé “está inundado da força do carnaval de rua soteropolitano, no qual o escracho, a liberação dos gestos e do corpo através da dança (das coreografias coletivas) fazem parte da memória popular” (Leme, 2001, p.7). “Há também uma forte valorização do corpo na tradição cultural de Salvador(e mesmo nacional). (...) as culturas afro-americanas têm usado o corpo, como se este fosse seu único capital cultural. Esta supervalorização do corpo pode ser vista como um reflexo das diferenças socioeconômicas existentes no Brasil. O corpo, para as classes populares, tem sido um importante meio de ascensão social. O atletismo, o futebol e mesmo a dança dos blocos afro e dos grupos de pagode foram um forte meio, através da corporalidade, para a conquista de prestígio, riqueza e inserção social. São inúmeros os ídolos nacionais que vieram de classes pobres. (...)o mito da ‘preferência masculina nacional’ (as nádegas femininas) são elementos a mais para explicar a forte identificação do público com o axé” (Leme, 2001, p.7).
Em síntese, o carnaval é para DaMatta um momento de eliminação das fronterias sociais, em que as pessoas tem seus papeis sociais invertidos (DaMatta, 1983) e o axé, para Mônica Leme (2001,p.3), é capaz de mediar a questão das diferenças, das identidades, da hibridação. Ou seja, o axé pode sim fazer parte desse movimento carnavalesco de libertação das rotinas do povo. Além disso, o impulso dado pela indústria cultural foi capaz de “exportar” o ritmo para os centros culturais historicamente consolidados (Rio e São Paulo), para a Europa e os Estados Unidos, e de fazer com que o ritmo seja tocado nas emissoras de rádio de todo o Brasil durante o ano todo, sem contar que, em 2000, o axé respondia por 3% da venda de discos no país (Moura, 2002, p. 92). Isso permite, ao ouvinte, que mesmo em dias de trabalho e de rotina, a audição de músicas de axé traga a mesma sensação libertadora proporcionada pelo carnaval.
Mas então porque a indústria cultural investiu para que o axé fosse um gênero cosmopolita, ao invés de fazer isso com o samba, que já estava consolidado como “gênero nacional” (Leme, 2001, p. 4)? Primeiramente, é preciso lembrar que os músicos baianos tradicionalmente são mais abertos à hibridização. O Lundu, uma das influências da axé-music, por exemplo, ainda no século XIX se hibridizou com matrizes européias, incorporando a viola-de-arame e posteriormente do piano no acompanhamento (Leme, 2001, p. 3)
Simone Pereira de Sá (2004, p.5-6) lembra que por volta de 1930 intelectuais do país “elegeram o samba” como a cultura popular oficial do país, mas essa escolha teve como “base apenas a matriz rítmica da cultura carioca, em que se encontram heranças musicais distintas; e por base ideológica a ideia da mestiçagem.(...) A partir daquele momento, portanto, o Brasil se tornou o país do Carnaval e ‘quem não gosta de samba, bom sujeito não é’(...) Nesse processo de legitimação da autenticidade, seus autores esqueceram-se das misturas,  fusões e influências diversas que originaram o samba.” Isso garantiu qualidade, sofisticação e êxito do samba, que se estabeleceu como ritmo nacional.
Contudo, os “guardiões do samba” empurravam as outras manifestações musicais para escanteio, sob a alcunha de regionais, e se empenhavam em “não deixar o samba morrer”, estabelecendo “qual é o "verdadeiro" samba, ou a que ponto os elementos "tradicionais" podem ser alterados sem prejuízo dessa "pureza" original. Portando, “o projeto de ‘nacionalização’ do samba foi tão bem-sucedido, e que os guardiões da ‘tradição’ foram tão zelosos e reativos a qualquer tentativa de fusão deste ritmo com outros, que, paradoxalmente, provocaram a sua  cristalização em torno da fórmula ‘cavaco, pandeiro, tamborim’ e pouca coisa mais, tomando como máxima o apelo de Paulinho da Viola: ‘não me altere o samba tanto assim’”.(SÁ, 2004, p.5-6)
Lembrando o que é colocado por Roberto DaMatta, o carnaval é uma festa em que “as pessoas estão livres e iguais entre si, atingindo o limite máximo da informalidade. Elas brincam, se divertem, esquecem os problemas, se unem e sentem-se felizes. Portanto, o carnaval é a oportunidade de se fazer “tudo ao contrário: viver e ter uma experiência do mundo como excesso (...) de prazer, de riqueza” (DaMatta, 1983). Ora, mas então se perde um pouco da essência da festa carnaval, quando o ritmo musical é imposto por intelectuais cariocas, já que a música de uma festa livre, também deveria ser livre.
O público, por sua vez, começou a ouvir e consumir novos estilos musicais. Podemos observar uma diminuição da hegemonia do Rio de Janeiro como "capital cultural" do país, lançadora absoluta de gêneros e intérpretes; ou pelo menos a possibilidade do surgimento de pólos de cultura "regionais" – bandas de rock gaúchas; ritmos da cultura sertaneja; vigorosos grupos que representam o movimento de arte e cultura chamado de mangue beat, em Recife; além da diversidade de ritmos da música baiana, que se articulam em níveis diversos de independência com o grande mercado "nacional".
No caso do Axé-music, parte da crítica musical fez questão de depreciar este tipo de música, classificando-a de comercial e ignorando o diálogo com algumas tradições brasileiras – sejam elas a influência do samba de roda do recôncavo baiano; a utilização de recursos muito presentes, por exemplo, nas marchinhas carnavalescas, que é o uso do duplo sentido, das sentenças maliciosas e jocosas; ou ainda a fidelidade ao mito da miscigenação, que implica no convívio harmonioso de raças –, presente de forma didática na composição dos integrantes do grupo e também nas letras  (SÁ, 2004, p.6-11).
Nessa situação, o panorama atual indica que o samba "tradicional" sobrevive sim, mais vivo do que nunca e ainda sustentando ao mesmo tempo o seu "projeto de brasilidade" e a bandeira da "pureza" e da "autenticidade". Porém estamos diante de uma batalha simbólica inserida nesse complexo cenário da cultura brasileira. De um lado, a tradição cristalizada e estabelecida: o Carnaval carioca, as escolas de samba, o samba "autêntico" do Rio de Janeiro, as mulatas e suas coreografias sensuais, mas já reconhecidas como parte da tradição; de outro, o pagode, os trios elétricos, a axé music e seus derivados, cujos modelos de celebração carnavalesca conquistam cada vez mais o interesse dos jovens brasileiros, que têm, com o Axé, a possibilidade de dançar de forma diferente da forma carioca, e de retomar "antigas" formas de sociabilidade ligadas à música de Carnaval, feita para brincar, celebrar, "estar junto", sem compromisso com a militância político/social de uma parcela respeitável da MPB (SÁ, 2004, p.10-11).
Pode-se concluir, pois, que esse movimento de preservação da cultura sambista carioca intacta e livre de outras influências, somado à tendência de descentralização da cultura musical do país, além do fato de músicos baianos serem mais adeptos a inovações modernas e internacionais, proporcionou à indústria cultural condições ideais para se investir na música baiana como o novo ritmo oficial do carnaval e, consequentemente, proporciona lucros aos gerentes da indústria cultural.

Referências
ADORNO, Theodor W. e HORKHEIMER, Max. Dialética do Esclarecimento. Rio de Janeiro, Zahar, 1985.
Axé (gênero musical) - Wikipédia, a enciclopédia livre. 2009 Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Axé_Music> Acesso em 20 nov. 2009
DAMATTA, Roberto. Carnavais, malandros e heróis: para uma sociologia do dilema brasileiro. Rio de Janeiro: Rocco, 1983.
DAMATTA, Roberto. O que faz o Brasil, Brasil? Rio de Janeiro: Rocco, 1991.
LEME, Mônica; ’Segure o tchan!’: Identidade na Axé-music dos anos 80 e 90. São Paulo, 2003
MOURA, Roberto M. Sobre Cultura e Mídia. São Paulo: Irmãos Vitale, 2002.
SÁ, Simone Pereira de. "Notas sobre a indústria do entretenimento musical e identidade no Brasil". In: Comunicação, Mídia e Consumo-ESPM, São Paulo - SP, 2004.
SANTOS, Pedro Paulo Procópio de Oliveira. Uma reconstrução de significados  para  a  identidade cultural da etnia negra baiana. Uma abordagem do discurso televisivo face ao carnaval do estado. Salvador, 2006.
Tmpage. 2008  Disponível em: <http://www.hot100brasil.com/timemachinemain.html> Acesso em 20 nov. 2009


[1]In: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Axé_Music>.Acesso em 29 de outubro de 2009.
[2] <http://www.hot100brasil.com/timemachinemain.html>. Acesso em 29 de outubro de 2009.

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